Autora: Catarina Mavila Magaia, Austral Consultoria, OVERDUE Research Fellow of the Beira team
O projecto OVERDUE investiga as desigualdades de saneamento na África urbana, nas as cidades de Mwanza (Tanzania), Bukavu (DRC), Saint Louis (Senegal), Abidjan (Costa do Marfim), Antananarivo (Madagáscar), Bukavu (República Democrática do Congo) e Beira (Moçambique). No caso de Moçambique, a cidade da Beira foi privilegiada devido às suas condições topográficas particulares e clima tropical húmido propenso a desastres naturais.
O pressuposto de investigar o saneamento nas cidades secundárias, como as cidades do projecto, era que as cidades primárias (como as capitais nacionais) tem sido bastante investigadas e o problema de saneamento é alvo de maior atenção. Penso que vale a pena repensar este pressuposto uma vez que muitas questões identificadas em cidades secundárias como Saint Louis, Bukavu, Mwanza e Beira também estão presentes em Maputo, capital nacional de Moçambique, onde uma realidade dramática de problemas de saneamento traz problemas sérios de saúde.
Trajectória do crescimento das cidades capitais
Os bairros periurbanos de Maputo, como o bairro Chamanculo B no Distrito Municipal Nlkhamankulu, são povoados de forma densa e pouco ordenada. Desde o período colonial o bairro viveu um movimento migratório do campo para a cidade com intuito de procura das melhores condições de vida, como é o caso de emprego, oportunidades de negócio, educação entre outros. Os recém-chegados das províncias procuram habitação em locais estratégicos para prática das suas actividades económicas.
No período colonial a Administração do Parque Imobiliário do Estado (APIE) construiu condomínios do tipo 1, casas de um quarto sem divisórias, em alguns bairros arredores da cidade, para alugar a pessoas que vinham das províncias para trabalhar nas grandes empresas da cidade como os Caminhos de Ferro de Moçambique. Os que procuravam essas casas para alugar geralmente eram homens que deixavam as suas famílias nas províncias, com o tempo esses homens trouxeram as suas famílias para a cidade. As famílias cresceram mas continuaram a residir nas mesmas casas desenhadas para pessoas solteiras. As imagens abaixo mostram o tipo de condomínios construídos com madeira e zinco, visivelmente castigados pelo tempo:
Photos: Condomínios do período colonial em bairros dos arredores da cidade de Maputo (source: Catarina Mavila Magaia)
O crescimento dos agregados familiares continuou no período pós-independência, com o êxodo rural causado pela guerra civil. Este crescimento levou Chamanculo B a ser povoado hoje por cerca de 9,022 habitantes e uma densidade populacional de 21,334.6 trouxe consigo vários problemas como o desordenamento territorial e pressão sobre os serviços e equipamentos sociais disponíveis, incluindo os do saneamento e abastecimento de água.
Algumas famílias ocuparam espaços das ruas para a construção das suas habitações, sem consentimento do Município de Maputo, e consequentemente dificultaram a abertura de valas de drenagem para o escoamento das águas negras e pluviais, a abertura de vias de acesso e a instalação de postes para iluminação pública, o que traz questões de segurança.
O drama do saneamento nos bairros
O sistema de saneamento destes bairros não está ligado à rede de esgoto da Cidade de Maputo. Isto faz com que as águas negras sejam canalizadas para as pequenas ruas e becos do bairro, criando condições férteis para a propagação de doenças hídricas como malária, diarreia e cólera, e erosão do solo. Algumas famílias abrem covas para a drenagem das águas negras que ficam expostas nos seus quintais, conforme mostram as imagens abaixo:
Photos: Latrinas não conectadas à rede de esgoto e com as águas negras drenadas ao ar livre (source: Catarina Mavila Magaia)
Devido à realidade dramática de saneamento no bairro de Chamanculo B o Projecto WSUP (Water & Sanitation for the Urban Poor) construiu blocos sanitários privados, partilhados por várias famílias em alguns condomínios para beneficiar algumas famílias que disputavam os espaços apertados dos quintas com as covas para o esvaziamento das lamas fecais.
Em Novembro 2022 conversei com as famílias beneficiadas pelos blocos sanitários, no âmbito de preparação das actividades de celebração do dia Mundial da Latrina. Estas famílias testemunham da satisfação e alegria pelos benefícios trazidos pelos novos blocos sanitários que mudaram a sua qualidade de vida:
“Antigamente a situação não era muito favorável, quando uma cova enchesse tínhamos que transferir para uma outra cova, com o novo bloco a situação é melhorada” (Moradora, Chamanculo B)
“Tínhamos problemas porque a casa de banho era de cavar, estava muito mal, as águas eram carregadas para despejar na rua mas agora, desde que ganharam novo bloco encontram-se numa boa situação porque já não carregam águas e não ficam irritados ao entrar na casa de banho, porque mesmo querendo tomar banho, só de pensar em entrar na casa de banho ficava irritado mas agora não(…) a casa de banho trouxe muitas melhorias, com ela é mais fácil tomar banho e fazer necessidades maiores e é mais higiénica que a outra.” (Moradoras, Chamanculo B)
“Essa casa de banho tem muitas vantagens porque agora não é como antigamente, que quando enchia tinha que cavar outro sitio mas agora tem vantagem” (Mário, Chamanculo B, 2022)
Os trechos acima mostram a satisfação dos beneficiários dos blocos sanitários nos condomínios do bairro do Chamanculo B, os mesmos foram feitos no âmbito da celebração do dia mundial da Latrina de 2022. Contudo, também mostram o impacto do mau saneamento, como é o caso do cheiro, higiene, saúde, entupimento constante das fossas e a abertura constante de covas ao ar livre para evacuar as águas negra e lamas fecais, trabalho este que requer investimentos em infraestrutura para melhorar o saneamento.
O mau saneamento tem um impacto particular nas mulheres. Por um lado, a mulher tem necessidades de saneamento específicas (segurança, higiene pessoal e menstrual, que requer água) mas também enquanto prestadoras de serviços de saneamento domestico pois elas é que têm de limpar e manter as casas de banhos e a comunidade limpas.
Conclusão
O Projecto OVERDUE despoletou em mim a sensibilidade na área de saneamento, uma área que antes negligenciava por falta de experiência. A cidade de Maputo, e o bairro de Chamanculo B em particular, não é o foco de investigação do projecto mas devido à sensibilidade criada pelo projecto em relação às latrinas, trabalho das mulheres para o saneamento, saneamento seguro, digno justo, penso que vale a pena partilhar a realidade de saneamento dramático vivido no âmbito de outros contextos urbanos das cidades Africanas como a capital do País que supostamente os problemas de saneamento já deviam ter sido ultrapassados.
Os problemas de saneamento na cidade de Maputo mostram-se similares aos problemas de saneamento na cidade da Beira, onde as famílias emigraram para as capitais provinciais à procura de melhores condições de vida, emprego, oportunidade de negócio, educação, segurança devido a guerra.
Instalaram-se nos bairros periurbanos e ocuparam espaços de forma desordenada, criando problemas de acesso e espaço para a disponibilização dos serviços sociais básicos como saneamento, iluminação pública e abastecimento de água.
A intervenção do WSUP é altamente valorizada pelos residentes do Bairro Chamanculo B, cidade de Maputo, e traz benefícios imediatos na saúde e bem-estar dos habitantes, em particular para as mulheres que tem a responsabilidade de garantir o trabalho de saneamento como limpeza das latrinas para que elas e as suas famílias (parceiros e crianças) usem limpas e escoamento das águas negras para fora do quintal mas está longe de resolver as necessidades sanitárias deste e doutros bairros periurbanos dos distritos municipais.
Há necessidade de muito mais investimentos e intervenções infra-estruturais para alcançar um saneamento seguro para todos munícipes. Espero que tornando visível este tópico, demasiadas vezes invisibilizado, contribua para a visibilidade e atenção dos decisores políticos e investidores.