by Associação FACE (Márcia Saica, Hélder Domingos e Canivete Américo) no trabalho de campo, recolha de informação e Fotos; Austral Consultoria, Lda. (Catarina Simões Mavila e Ana Leão) na análise dos dados e escrita.
Contexto da pesquisa
O Projecto “OVERDUE: enfrentando o tabu do saneamento na África urbana” implementado em algumas cidades Africanas como Mwanza (Tanzania), Bukavu (DRC), Saint Louis (Senegal), Abidjan (Costa do Marfim), Antananarivo (Madagáscar), Bukavu (República Democrática do Congo) e Beira (Moçambique) investiga as desigualdades de saneamento com vista à promoção do acesso ao saneamento justo, inclusivo, sustentável e sensível ao género.
Desde o início do projecto em 2019 até agora, a equipa da Beira composta pela Associação FACE e Austral Consultoria têm realizado várias actividades como entrevistas ao governo (Conselho Municipal da Beira e Serviços Autónomos de Saneamento da Beira), sector privado e sociedade civil, observações aos locais de saneamento, sombreamento aos trabalhadores de saneamento, workshops e exposições de disseminação dos resultados.
No âmbito do trabalho de campo, foram selecionados três locais de estudo que foram o bairro da Munhava, o bairro da Manga Loforte e o Mercado Maquinino, os critérios de seleção deveram-se a condições particulares de saneamento, como a não ligação à rede e a vontade dos usuários e das comunidades em melhorar o saneamento.
Devido às condições de degradação do balneário público do Mercado Banana observadas durante a visita da Associação FACE e mencionadas num artigo do jornal Diário de Moçambique de 15/2/2023, foi decidido fazer a reabilitação deste balneário como uma das actividades do projecto.
Práticas de saneamento no balneário do Mercado Banana
Nos três locais de estudo foram investigadas as práticas de saneamento nos balneários públicos sob gestão pública e privada na perspectiva dos gestores, trabalhadores e utentes. O balneário público do Mercado Banana no bairro da Manga Loforte funciona das 6:00h até às 18:00h e está sob a gestão da Comissão do Mercado. Tem dois cubículos, um masculino e um feminino, encontrando-se em condições críticas que carecem de uma intervenção urgente: a fossa está cheia, as águas negras transbordam e escorrem ao longo do mercado onde são vendidos produtos alimentares, sujeitos a contaminação pelos germes da fossa. Esta situação, para além de criar desmotivação nos trabalhadores (uma mulher e um homem) e utentes, também periga a saúde dos mesmos; o cheiro nauseabundo não permite permanecer no balneário por muito tempo, embora os trabalhadores sejam obrigados a permanecer no local para o exercício das suas actividades.
A limpeza do balneário é feita nas manhãs e às vezes no final do dia se estiver sujo; os trabalhadores não têm material de proteção para a realização do seu trabalho como roupas de trabalho, botas, luvas e máscaras faciais, sentindo-se obrigados a manter contacto directo com a sujidade provocada nos balneários e a inalar o cheiro nauseabundo.
Os produtos de limpeza também são escassos; muitas vezes a limpeza é feita apenas com água, algumas poucas vezes compra-se o detergente em pó. Após a jornada laboral os trabalhadores não têm tido leite fresco que podia ajudar a fazer limpeza no organismo das bactérias inaladas ao longo do dia.
A situação actual do balneário periga não apenas a saúde dos trabalhadores do balneário, mas também os utentes, que muitas vezes são vendedoras e vendedores do mercado. Os compradores vêem-se forçados a saltar sobre as águas negras à procura de produtos alimentares, que têm estado expostos às moscas geradas pela sujidade da fossa que transborda. As águas negras, com o potencial de aumentarem o risco de cólera pela contaminação da água potável, geram ainda mosquitos que afectam a saúde das pessoas, provocando malária e outras doenças.
Taxas cobradas no balneário
As taxas cobradas aos utentes do balneário são canalizadas para a Comissão do Mercado. A Comissão do Mercado usa as receitas para o pagamento do salário dos trabalhadores: uma mulher que trabalha na secção das mulheres e um homem que trabalha na secção dos homens.
Por dia, o lado feminino consegue fazer uma receita de 250 a 300 meticais, enquanto o lado masculino faz entre 150 a 200 meticais. O lado feminino faz a maior receita porque as mulheres necessitam de privacidade para a suas necessidades fisiológicas relativamente aos homens, que muitas vezes fazem necessidades junto aos muros. O balneário tem preços diferenciados de acordo com a necessidade a fazer, 2meticais necessidades menores, 5 meticais necessidades maiores e banho, mas esse último não é procurado com regularidade por falta de água, os utentes pagam cada vez que utilizam o balneário.
Assim, a situação dos balneários prejudica as mulheres duplamente: primeiro, o estado deplorável das latrinas torna a experiência desagradável, senão mesmo perigosa. Em segundo lugar, significa que o ambiente do mercado e das áreas circundantes está sujo e que as mulheres, que representam a maioria dos vendedores e clientes, devem coexistir com fluxos de urina e matéria fecal ao ar livre.
A Comissão do Mercado já reportou várias vezes a situação da enchente da fossa do balneário para que a SASB possa fazer o esvaziamento, mas não tem tido resposta. Por sua vez, as receitas arrecadadas, depois do pagamento dos salários dos trabalhadores, da água uma vez que no mercado não tem água, da compra de produtos de limpeza e da gestão do próprio balneário, não permitem contratar serviços de esvaziamento do sector privado.
O processo de requisição do esvaziamento da fossa deste balneário é feito por carta enviada ao SASB, que deve proceder gratuitamente ao esvaziamento. Por razões desconhecidas dos trabalhadores do balneário e da Comissão do Mercado, este processo regista frequentemente demoras.
Foto das águas negras da fossa escorrendo no mercado. Autor: Associação FACE @OVERDUE, 2023
Intervenção do balneário
No âmbito das pesquisas em acção levadas a cabo pelo projecto OVERDUE, a Associação FACE em parceria com a Austral Consultoria irão implementar a reabilitação do balneário público do Mercado Banana. Esta iniciativa de reabilitação do balneário surge no contexto de promoção de saneamento justo, digno e sustentável para os homens e mulheres nas cidades africanas. Esta reabilitação é um modelo para iniciar uma reflexão ao nível dos outros mercados e balneários públicos – que são 17 na cidade da Beira – e melhorar o saneamento de uma maneira inclusiva, justa, sustentável e sensível ao género.
A Comissão do Mercado recebeu o projecto com grande alegria e satisfação porque para além de melhorar as próprias condições para o bem-estar de todos também irá melhorar as receitas que automaticamente irão melhorar a gestão do balneário.
A Comissão do Mercado apela que na impossibilidade de reabilitação, pelo menos que se consiga garantir o esvaziamento.
No momento está em curso a preparação dos documentos para a formalização da reabilitação do balneário público. Nos finais de Fevereiro 2023 serão formalizados os acordos e serão feitas consultas públicas sobre o início das obras, que estão previstas para o mês de Março.
Durante as consultas públicas, discussões de grupos focais e entrevistas com as partes interessadas serão salientados aspectos de género, a fim de se conseguir abordar as diferentes maneiras como as mulheres e homens são afectados pelas condições actuais do saneamento no mercado. Mais ainda, os diferentes actores dirão também o que gostariam de ver melhorado ao nível da infraestrutura e gestão do balneário de modo a ter um saneamento justo e saudável. A equipa do projecto irá na medida do possível garantir que as necessidades tanto dos trabalhadores como dos utentes sejam acauteladas. A previsão do término da reabilitação do balneário é no mês de Maio, a inauguração no mês de Junho.
Durante a execução das obras de reabilitação, está incluída a necessidade do balneário não encerrar a sua actividade e a equipa do projecto estará no mercado entrevistando e observando a dinâmica das práticas de saneamento que serão adoptadas, bem como a satisfação dos usuários.
Para saber mais sobre a reabilitação das latrinas, siga as notícias no site OVERDUE e na página do FACE.