Resumo
A Postura de saneamento da cidade da Beira reconhece o direito universal a um saneamento justo e equitativo, bem como a responsabilidade das autoridades no garante deste direito. No entanto, a Beira vive injustiças sanitárias de múltiplas formas e que já são antigas, apesar das diversas iniciativas implementadas e do saneamento ter sido sempre uma prioridade para as famílias e desde 2003 também para as autoridades municipais da cidade. Está bem estabelecido que uma abordagem equitativa para uma visão abrangente de todas as etapas da cadeia de saneamento tem múltiplos efeitos positivos em termos de saúde, sustentabilidade ambiental, dignidade humana, igualdade de género e produtividade. Isto significa que o governo pode ser mais eficaz e justo se se concentrar nos problemas que afectam a maioria da população, ou seja, no sistema isolado. Contudo, os investimentos em saneamento na Beira têm sido realizados no sistema de rede, que abrange somente 1/3 da cidade.
Justiça sanitária e governo efectivo na Beira significam um foco renovado no sistema de saneamento fora da rede e nos serviços dos balneários públicos. Há um potencial transformador para que a Beira simultaneamente providencie infraestruturas de saneamento de uma forma mais equitativa e chegue a mais cidadãos com os fundos existentes.
Nove em cada dez pessoas na Beira dependem do sistema de saneamento fora da rede ou isolado,1 desde o período colonial quando o sistema de saneamento centralizado foi construído. No entanto, até aos dias de hoje, o foco do investimento do saneamento na cidade tem sido o sistema centralizado, deixando o sistema isolado nas mãos das famílias, comunidades e ONG. Uma das consequências desta negligência foi uma miríade de intervenções ad-hoc sem o conhecimento ou apoio do Município e a prática generalizada de fecalismo a céu aberto. Prática esta que pretende ser eliminada até 2030 através de várias intervenções que vêm sendo feitas com o objectivo de se alcançar um saneamento justo, inclusivo e equitativo.
Um líder comunitário entrevistado na cidade da Beira ilustrou bem este facto: “Relativamente ao estado
da cadeia do saneamento, veio aí uma equipa que construiu latrinas, mas ainda antes disso, eu e a minha equipa já andávamos a sensibilizar a população. É preciso recordar que nessa altura, nos anos 1990, o fecalismo a céu aberto era crónico; era muito comum, quase cultural para as pessoas fazerem as suas necessidades na rua.”
O combate ao fecalismo a céu aberto implica a sua anormalização mais do que a sua penalização, bem como a disponibilidade de alternativas fora da rede que abrange a maior parte da população. Não se pode continuar a olhar o fecalismo a céu aberto como algo local, histórico ou cultural.
A pouca memória institucional no Município da Beira é um obstáculo a um planeamento eficaz e foi um dos problemas maiores enfrentados durante os trabalhos de campo, dificultando a recolha de dados mais concretos. Esta lacuna prende-se não só com os desastres ambientais regulares que a Beira enfrenta (ciclones, inundações), mas também com a falta de documentação referente a projectos de ONG e parceiros, que raramente deixam informação quando partem. Por outro lado, prevalece a cultura política do País que, de uma forma geral, presta pouca atenção à organização e manutenção de arquivos. Isto foi patente nas entrevistas com funcionários do Município que, confrontados com a linha cronológica elaborada no âmbito do projecto, afirmaram desconhecer muitas das intervenções mencionadas pelos portadores de memória e se limitaram a intervenções relativamente recentes. Assim, o planeamento das intervenções municipais no saneamento baseia-se na informação disponível, que muitas vezes não corresponde ao terreno. Por exemplo, para além de desconhecerem algumas das intervenções mencionadas pelos portadores de memória, o Município não tinha dados sobre a quantidade e estado de manutenção dos balneários públicos. Para colmatar esta lacuna, a Associação FACE realizou um levantamento destes no mês de Abril de 2023. É importante que os balneários públicos façam parte do planeamento e orçamento do Município, dada a sua importância em reduzir injustiças e lacunas no saneamento disponível aos munícipes, com particular atenção para as necessidades específicas das mulheres.
Selected outputs
Subscribe to get our latest news